PAPEL DAS FUNÇÕES COGNITIVAS, CONATIVAS E EXECUTIVAS NA APRENDIZAGEM: UMA ABORDAGEM NEUROPSICOPEDAGÓGICA
Victor da Fonseca
O artigo descreve o cérebro e suas habilidades, incluindo a sua anatomia e a circuitaria reveladas recentemente com a imagiologia. São fruto da ciência: ao decifrar alguns mecanismos da nossa mente, os pesquisadores estão encontrando maneiras de realizar coisas que antes pareciam impossíveis. O resultado é uma revolução capaz de mudar não só a maneira como entendemos o cérebro, mas também a imagem que fazemos do mundo, da realidade e de quem somos nós.
Segundo os cientistas, o cérebro é muito elástico. O cérebro se reiventa, cria novos neurônios, novas conexões e novas funções para áreas pouco utilizadas.
Aprendemos a neurobiologia do cérebro e sabemos que todas as partes trabalham juntas de forma integrada e que cada fase tem o seu planejamento executivo. E que assim como não existe pessoa igual a outra, cada cérebro é diferente. E que sim, os cientistas provaram que o cérebro produz novas células ao longo da vida – num processo batizado de neogênese. Aprendemos que o sistema límbico é responsável pelas emoções e que a emoção esta intimamente ligada a ação, atenção e memoria. E que são as funções executivas que regem a orquestra do nosso cérebro.
Portanto, a capacidade do seu cérebro depende, antes de mais nada, de tudo do que leu, viu, experimentou e viveu. Existem vários caminhos, mas todos passam por nós mesmos, nosso cérebro e nossa mente.
Basta querer acessar, transformar e criar novas realidades relevantes para nossas vidas e para a vida da humanidade. E isso depende apenas de você e de politicas publicas que valorizem o professor, a escola como o espaço da troca do conhecimento tornando possível uma aprendizagem realmente significativa.
Observando o cérebro em situação de aprendizagem, a neuroimagiologia confirma a ocorrência de macro e microtransformações neuronais, quer no surgimento e fortalecimento de sinapses, quer na criação de circuitos, redes e sistemas neurofuncionais, assim como no acréscimo de eficácia na velocidade de transmissão e precisão conexiva. Em qualquer processo de aprendizagem, portanto, inúmeros neurônios interagem sistemicamente e coíbem-se dinamicamente.
Saber como o cérebro evoluiu, evolui e funciona é determinante para o sucesso não só na aprendizagem como no ensino, o chamado processo ensino-aprendizagem, que consubstancia a característica única da espécie humana de transmitir a cultura intergeracionalmente.
A cognição e a inteligência humana emergem dos neurônios que constituem, principalmente, o neocórtex humano.
A tríade funcional da aprendizagem humana inclui a interatividade e a inseparabilidade dinâmica da cognição, da conação (significação afetiva) e da execução permitindo a emergência e a sustentação do processo da aprendizagem humana.
FUNÇÕES COGNITIVAS DA APRENDIZAGEM
Na definição de cognição ou "ato ou processo de conhecimento", ou "algo que é conhecido através dele”, é consensual equacionar que a cognição e o ato de aprender envolvem a integração dinâmica, coerente e sistêmica das três ferramentas cognitivas principais:
• funções de input, de recepção ou de captação
• funções de integração, retenção e de planificação
• funções de output, de execução ou de expressão
Aprender a aprender é, portanto, praticar, treinar, aperfeiçoar e redesenvolver tais funções e capacidades cognitivas, integrando harmoniosamente as capacidades conativas e executivas, que são pouco estimuladas culturalmente e escolarmente, por isso, mal adaptadas, deficitárias, frágeis ou fracas em muitas crianças e jovens que lutam diariamente na sala de aula para terem mais rendimento e aproveitamento na aprendizagem.
FUNÇÕES CONATIVAS DA APRENDIZAGEM
A conação, na sua essência semântica, é a significação afetiva, sinônimo de estado de preparação do organismo para certas tarefas ou situações, particularmente as que têm valor de sobrevivência (ameaça, perigo, ansiedade, insegurança, desconforto, etc.).
Funções conativas da aprendizagem:
• a de valor (porque faço a tarefa);
• a de expectativa (que faço com a tarefa);
• a afetiva (como me sinto na tarefa).
O afetivo, o cognitivo e o executivo estão em interação constante no processo da aprendizagem, porque as suas funções são indissociáveis em termos neurofuncionais, e porque os seus substratos neurológicos têm de operar em sintonia.
FUNÇÕES EXECUTIVAS DA APRENDIZAGEM
As funções executivas coordenam e integram o espectro da tríade neurofuncional da aprendizagem, onde estão conectadas com as funções cognitivas e conativas. O seu piloto, diretor executivo, líder ou maestro neurofuncional avançado é o córtex pré-frontal, região que ocupa no cérebro humano quase um terço do seu volume cortical.
As neurociências elegeram-na como a área responsável pela regulação, supervisão e controle performático das ações, das emoções, dos pensamentos e dos comportamentos, denominada por essas disposições neurofuncionais como o processo centrífugo, descendente, eferente ("top-down") ou de output de informação.
Em resumo, o lobo frontal é responsável pela planificação e execução da ação.
Ler e compreender, formular ideias e escrevê-las, apreender enunciados de problemas matemáticos e planificar uma série de procedimentos e operações para chegar à solução correta podem revelar a luta titânica que muitas crianças e jovens travam na sala de aula.
É a esse conjunto diversificado de competências mentais e frontais que denominamos por funções executivas, funções muito significativas que são exigidas para organizar e integrar informação disponível que não só nos surge hoje, muito mais vasta (exemplo da Internet), como é permanentemente sujeita a mudanças muito mais rápidas e imprevisíveis.
Por esse fato, as disfunções executivas são frequentemente associadas a alunos com dificuldades atencionais e com dificuldades de aprendizagem específicas (por exemplo, disgnosias, dispraxias, disfasias, dislexias, disgrafias, disortografias, dismatemáticas, etc.), a nossa experiência clínica de 40 anos com mais de 5.500 casos observados e seguidos, evidencia, constata e confirma essa co-ocorrência de disfunções desenvolvimentais.
Os currículos das disciplinas da educação geral não podem continuar a ser somente "regulares", eles têm a obrigação de ser currículos universais ("Universal Design for Learning") livres de barreiras onde todas as crianças e jovens possam aprender sem ser excluídos por teorias de eficácia social já ultrapassadas. E devem ser desenhados para satisfazer a neurodiversidade e a diferenciação da aprendizagem de todos os diferentes estudantes, especialmente os que estão nas margens, e não apenas concebê-los ou validá-los para os alunos ditos regulares.
Na escola do futuro, nenhum estudante deve ficar para trás e muito menos excluído de aprender, pois nenhuma criança ou jovem é ineducável.
As escolas não podem continuar a excluir estudantes com dificuldades ou diferenças cognitivas, conativas e executivas, como se fazia no passado, por analogia, na arquitetura das habitações antigas em que o acesso de pessoas com dificuldades de locomoção era simplesmente vedado. Nos casos em que os indivíduos se deslocam em cadeiras de rodas, as escadas não são o ecossistema aconselhado para facilitar o seu acesso, pelo contrário, elas são uma barreira difícil de transpor. Basta construir rampas e outras acessibilidades de locomoção e de independência, para que tais barreiras se evaporem.
Em vez dos currículos serem centrados exageradamente nos conteúdos sistematizados, considerados como produtos finais, e serem meramente apresentados e debitados nas aulas, há necessidade de maior atenção com os processos cognitivos, conativos e executivos dos alunos, caso contrário o ciclo do sucesso escolar será uma miragem para muitos deles. Quem perde mais com o insucesso escolar é a sociedade no seu todo.
Para enriquecer as funções cognitivas, conativas e executivas, a interação do professor-aluno tem que ser mais intensa e intencional, o processo ensino-aprendizagem tem que ser mais mediatizado e com uma acessibilidade aumentada para todos, onde seja possível focar mais a colocação de perguntas ou questões de desafio cognitivo, conativo e executivo, onde os alunos tenham que pensar mais antes de responder, onde as várias funções sejam diretamente treinadas e onde as estratégias metacognitivas sejam mais trabalhadas. Não está em jogo o enriquecimento curricular, está mais em jogo o enriquecimento do potencial de aprendizagem dos alunos.
Com inovação pedagógica, tecnologias de apoio informático e processadores de texto com suportes ideacionais, visualizações semânticas e corretores sintáxicos, as barreiras de muitos alunos com dificuldades ou déficits cognitivos, conativos e executivos podem ser superadas, porque na nossa concepção as escolas têm a responsabilidade de intervir nas zonas de desenvolvimento proximal, de minimizar as barreiras e de maximizar a aprendizagem de todos os alunos sem exceção.
Além de proporcionarem abundantes oportunidades e alternativas de prática psicopedagógica, com modelos de intervenção diferenciada e compensatória, e prescrever modelos de reeducação individualizada ou em pequenos grupos, ditos de ensino clínico, é preciso mobilizar mais professores tutores devidamente preparados e especializados, caso contrário, muitos estudantes com disfunções cognitivas, conativas e executivas que necessitam de ajuda serão condenados ao insucesso escolar, profissional e social.
A educação da criança e do jovem na era digital tem que ser cada vez mais amiga dos seus corpos, dos seus cérebros e das suas mentes, caso contrário muitos problemas de cognição, de conação (significação afetiva) e de execução, ou seja, de adaptação, de aprendizagem e de integração social vão emergir sem necessidade.
REFERÊNCIAS DO ARTIGO
1. Vygotsky LS. Mind and society: the development of higher psychological process. New Jersey: Harvard University Press; 1978.
2. Vygotsky LS. Interaction entre aprendizaje y desarrollo. Barcelona: Crítica; 1979.
3. Vygotski LS. El desarrollo de los processos psicologicos superiores. Barcelona: Crítica; 1979.
4. Tomasello M. The cultural origins of human cognition. Cambridge: Harvard University Press; 1999.
5. Bodrova E, Leong D. Tools of mind: a vygotskian approach to early childhood education. New Jersey: Pearson; 2007.
6. Bradshaw JL. Human evolution: a neuropsychological perspective. London: Taylor & Francis; 1997.
7. Buss D. Evolutionary Psychology: the new science of mind. New York: Allyn and Bacon; 1999.
8. Winston R. The human mind. London: Bantam; 2004.
9. Willis J. Current impact of neuroscience on teaching and learning. In: Sousa DA, ed. Mind, brain & education. Bloomington: Solution Tree Press; 2010.
10. Sousa DA. How science met pedagogy. In: Sousa DA, ed. Mind, brain & education. Bloomington: Solution Tree Press; 2010.
11. Fischer K, Heikkinen K. The future of education neuroscience. In: Sousa DA, ed. Mind, brain & education. Bloomington: Solution Tree Press; 2010.
12. Calvin W. Como o cérebro pensa. São Paulo: Rocco; 1998.
13. Calvin W. A evolução do pensamento. Scientific American. 2004;17.
14. Kandel E, Schwartz & Jessell T. Principles of neural science. 4th ed. New York: McGraw-Hill; 2000.
15. Kolb B, Whishaw I. Introduction to human Neuropsychology. New York: Freeman; 1985.
16. Ward J. The student´s guide to cognitive neuroscience. 2nd ed. New York: Psychology Press; 2006.
17. Gardenfors P. How homo became sapiens: on the evolution of thinking. New York: Oxford University Press; 2007.
18. Workman L, Reader W. Evolutionary psychology: an introduction. Cambridge: Cambridge University Press; 2008.
19. Fonseca V. Psicomotricidade: filogénese, ontogénese e retrogénese. Rio de Janeiro: Wak; 2009.
20. Fonseca V. Psicomotricidade e neuropsicologia: abordagem evolucionista: Rio de Janeiro: Wak;2009.
21. Ramachandran VS. The tell-tale brain. London: William Heinemann; 2011.
22. Posner M. Neuroimaging tools and the evolution of educational neuroscience. In: Sousa DA, ed. Mind, brain & education. Bloomington: Solution Tree Press; 2010.
23. Ajuriaguerra J, Hécaen H. Le cortex cérebral. Paris: Masson & Cie; 1964.
24. Sperry R. How a developing brain gets itself properly wired for adaptative function. In: Tobach E et al., eds. The biopsychology of development. New York: Academic Press; 1971.
25. Sarnat H, Netsky M. Evolution of the nervous system. Oxford: Oxford University Press; 1981.
26. Rourke B. Nonverbal learning disabilities: the syndrome and the model. New York: Guilford; 1989.
27. Fishbein HD. Evolution, development and children's learning. Pacific Palisades: Goodyear Publis; 1976.
28. Passingham R. The frontal lobes and voluntary action. Oxford: Oxford University Press; 1993.
29. Goldberg E. The executive brain: unifying cognition. New York: Oxford University Press; 2001.
30. Fonseca V. Cognição e aprendizagem. Lisboa: Âncora; 2001.
31. Fonseca V. Dificuldades de aprendizagem: abordagem neuropsicopedagógica. 5ª ed. Lisboa: Âncora;2014.
32. Fonseca V. Aprender a aprender. 3ª ed. Lisboa: Âncora; 2014.
33. Fonseca V. Manual de observação psicomotora: significação psiconeurológica dos factores psicomotores. 3ª ed. Lisboa: Âncora; 2010.
34. Fonseca V. Dificuldades de aprendizagem não verbais. Revista Inclusão. 2000;1.
35. Damásio A. O erro de Déscartes: emoção, razão e cérebro humano. Lisboa: Europa-América; 1995.
36. Damásio A. The feeling of what happens: body and emotion in the making of consciousness. New York: Harcourte Brace & Co.; 1999.
37. Damásio A. Looking for Spinoza: joy, sorrow and the feeling brain. London: William Heinemann; 2003.
38. Vygotsky LS. Problems of general psychology. New York: Plenum; 1986.
39. Vygotsky LS. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 1987.
40. Das JP, Kar B, Parrila R. Cognitive planning. New Delhi: Sage Pubs; 1996.
41. Hale J, Fiorello C. Scholl neuropsychology. New York: Guilford Press; 2004.
42. Reuchlin M. Les différences individuelles dans le dévelopment conatif de l´énfant. Paris: PUF; 1990.
43. Ajuriaguerra J. Manuel de Psychiatrie de l'enfant. Paris: Masson & Cie; 1974.
44. Poper K, Eccles J. The self and its brain. New York: Springer; 1977.
45. Changeux JP. Raizon et plaisir. Paris: Odile Jacob; 1994.
46. Jeannerod M. Le cerveau intime. Paris: Odile Jacob; 2000.
47. Varela F, Thompson E, Rosch E. The embodied mind: cognitive science and human experience. Cambridge: MIT Press; 1991.
48. Yang MH, Faeth M. The role of emotion and skilled intuition in learning. In: Sousa DA, ed. Mind, brain & education. Bloomington: Solution Tree Press; 2010.
49. Maslow A. Motivation and personality. New York: Harper & Row; 1954.
50. Waber D. Rethinking learning disabilities. New York: Guilford Press; 2010.
51. Damásio A. The frontal lobes. In: Heilman K, Valenstein E, eds. Clinical Neuropsychology. Oxford: University Press; 1979.
52. Denckla M. Executive function: binding together the definitions of attention deficit hyperactivity disorders and learning disabilities. In: Meltzer L, ed. Executive function in education: from theory to practice. New York: Guilford Press; 2007.
53. Meltzer L, Krishnan K. Executive function difficulties and learning disabilities: understandings and misunderstandings. In: Meltzer L, ed. Executive function in education: from theory to practice. New York: Guilford Press; 2007.
54. Tridas E. ADHD, reading and executive function: a perfect storm. 29th Learning Differences Conference at Harvard Graduate School of Education, Boston, 2014.
55. Wong K. O despertar da mente humana. Scientific American. 2005;17.
56. Berthoz A. La décision. Paris: Odile Jacob; 2003.
57. Meltzer L. Promoting executive function in the classroom. New York: Guilford Press; 2010.
58. Mazeau M. Neuropsychologie et troubles des apprentissages. Paris: Masson; 2005.
59. Luria AR. Human brain and psychological process. London: Harper & Row; 1966.
60. Luria AR. Higher cortical functions in man. New York: Basic Books; 1966.
61. Luria AR. The working brain. London: Peguin; 1973.
62. Lussier F, Flessas J. Neuropsychologie de l´enfant: troubles développementaux et de l´apprentissage. Paris: Dunod; 2001.
63. Meltzer L, Pollica L, Barzillai M. Executive function in the classroom. In: Meltzer L, ed. Executive function in education: from theory to practice. New York: Guilford Press; 2007.
Criei esse blog para compartilhar textos de minha autoria, resenhas de livros que gosto e indico, além também outras sugestões para quem convive com crianças. Aproveito para divulgar meus atendimentos psicopedagógicos e me apresentar como palestrante sobre habilidades sócio emocionais e valores amorosos. É preciso mais afeto na educação! Sheyla Baum
Seguidores
Assinar:
Postar comentários (Atom)
A diferença entre competencias socioemocionais e habilidades socioemocionais
Você sabe qual a diferença entre competência socioemocional e habilidade socioemocional? COMPETÊNCIA SOCIOEMOCIONAL refer...
-
Você sabe qual a diferença entre competência socioemocional e habilidade socioemocional? COMPETÊNCIA SOCIOEMOCIONAL refer...
-
Memórias... Fiquei pensando na minha historia profissional...Minha neta disse que eu fiz a diferença pa...
Nenhum comentário:
Postar um comentário